quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Significados

As mesmas palavras podem transmitir idéias completamente diferentes, dependendo do contexto e da forma como são ditas, mesmo que pela mesma pessoa.
Na ultima sexta-feira, assisti ao espetáculo Nossa vida não vale um Chevrolet. Eu já tinha lido o texto original do Mário Bortolotto e visto o filme Nossa vida não cabe num Opala, que é a adaptação da peça para o cinema. Apesar de toda a força da história estar do texto, as palavras apenas impressas não tem tanta vida quanto as faladas pelos atores, por mais imaginação que se tenha. Afinal, é teatro e foi escrito para ser interpretado, e não lido. O ritmo, a entonação, os gestos e trejeitos, os olhares, a movimentação, determinam o clima do que é contado. Até mesmo os espaços são definidos pelos atores, já que no palco nu o cenário é criado na nossa imaginação.
A peça tem um tom mordaz e intercala cenas que chegam a ser cômicas com momentos mais sérios e pesados, principalmente do meio para o final. Lembro que quando meu irmão era bem pequeno, perguntou pra minha mãe o que era irônico e ela respondeu que é quem ri sem ter vontade. Acho que é isso, aquela sensação de “rir para não chorar”, uma vontade de dar risada da desgraça alheia, mas sabendo que no fundo o “alheio” sou eu. No final, fica o vazio que, assim como o palco sem ornamentos, é o espaço pra gente pensar (se é que dá pra fazer isso quando se está desnorteado).
Já o filme, tem uma pegada mais dramática, não é tão sarcástico, mas nem por isso menos incisivo. Pra mim, a grande diferença é que o filme é mais direto e a peça exige um olhar mais apurado - sem ele pode parecer simples e até boba em alguns momentos. Essa diferença fica bem clara na ótima atuação do Gabriel Pinheiro, que faz o mesmo papel no cinema e no palco, em boa parte com o mesmo texto, as mesmas palavras, e consegue dar contornos diferentes ao personagem, de forma muito coerente com o todo.
Bom, quem quiser conferir com os próprios olhos, ainda tem mais três sextas-feiras para ver a peça. O filme estréia no próximo dia 15 e vale muito a pena, tanto por tudo o que já falei, quanto pelo trabalho dos atores Leonardo Medeiros, Maria Luiza Mendonça, Milhem Cortaz e Maria Manuela. E tem a Dercy, em uma participação rápida como... Dercy, sua última atuação no cinema. Ah, a trilha sonora também é de delirar, assim como a da peça, ambas de responsabilidade do Bortolotto.

Nossa vida não vale um Chevrolet

Onde: Espaço dos Parlapatões - Praça Roosevelt, 158

Quando: Estréia dia 01 de agosto, a meia-noite

Quanto: R$ 20,00


Texto, Direção, Sonoplastia e Iluminação: Mário Bortolotto

Elenco: Fernanda D´Umbra, Laerte Mello (Nelson Peres), Mário Bortolotto, Gabriel Pinheiro, Francisco Eldo Mendes, Paulo Jordão, Thiago Pinheiro e Helena Cerello

Operação Técnica: Marcelo Montenegro

Direção Técnica: Régis Santos

Produção: Dani Angelotti


Nossa vida não cabe num Opala


Direção: Reinaldo Pinheiro

Elenco: Leonardo Medeiros, Milhem Cortaz, Gabriel Pinheiro, Maria Manoella, Jonas Bloch, Maria Luiza Mendonça, Paulo César Peréio

Participação: Marília Pêra, Derci Gonçalves e Maguila

Estréia: 15 de agosto


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Escapamento

O carniceiro em foco

Columba picazurus

Eu não troco uma boa conversa por nada (quase) nunca. Ficar algumas horas conversando com alguém (dependendo da pessoa) pode ser muito mais enriquecedor do que ler um livro, por exemplo. Isso porque na conversa a informação corre em mão dupla. Raramente se tem a chance de discutir as idéias de uma obra com o autor. O que ele criou é aquilo e pronto, não dá pra questionar nada ali, na hora em que se lê. Em uma conversa o feed back é imediato, e não só com palavras. Por meio de todos os sentidos é possível perceber o outro, sentir a pessoa. Uma risada, o agito dos pés, o suor nas mãos, um olhar ou um piscar de olhos revelam coisas muitas vezes não ditas.
Mas o que mais me atrai em uma boa conversa com gente interessante é o embate que se trava entre pontos de vista diferentes. Não, eu não gosto de briga, gosto de desafio. Ser questionado estimula o pensamento e acaba proporcionando descobertas de coisas que às vezes nem nós sabemos sobre nós mesmos. Do mesmo jeito, questionar o outro permite entendê-lo e entender o outro amplia nossa visão do mundo.
Pra mim, não existe melhor sensação do que me sentir alimentada depois de uma conversa. Mas com um detalhe: esse alimento nunca satisfaz. Posso ficar horas, virar uma noite conversando que, se o papo for bom, não vou sair satisfeita, saciada. É como um vício.
Já me criticaram por isso, dizendo que não devia questionar tanto, que devia tentar pensar menos, perguntar menos e olhar a vida de um jeito mais simples. Mas eu gosto!
O Kings of Convenience tem uma música que diz assim: “She'll talk to you, with no one else around, but only if you're able to entertain her, the moment conversation stops she's gone, again”. É isso, entende?
E agradeço pelas conversas interessantíssimas com biólogos sarcásticos de riso estranho e contagiante, regadas à água, que seguem ao longo da madrugada, até a aurora boreal nos expulsar para casa.

domingo, 3 de agosto de 2008

Sobre o direito de ter opinião (e o dever de pensar sobre ela)

Estava conversando esses dias com uma amiga, a mesma que me pediu para escrever sobre ciúmes. Ela estudou comigo na faculdade, é uma menina super inteligente e escreve muito bem. Estávamos falando alguma coisa sobre escrever, eu disse que ela deveria escrever mais, já que é boa nisso, quem sabe começar um blog. Ela disse que não se sentia segura, pois provavelmente ia escrever besteiras.

Foi aí que começou nossa conversa sobre opinião. Repito aqui o que disse pra ela. Todo mundo tem direito de ter sua própria opinião e sua própria visão sobre qualquer assunto. A opinião de alguém depende da vivência e do repertório da pessoa. Por isso aquela famosa frase: "é próprio das pessoas inteligentes mudar de opinião". Isso não significa ser volúvel, indeciso ou inseguro. Errado, pra mim, é alguém que se agarra às suas concepções e se fecha para o resto do mundo. É importante manter a abertura do olhar e do pensamento para coisas novas e diferentes pontos de vista. Daí vem a mudança de opinião, conhecer outras coisas proporciona um embasamento maior para avaliar o que se vê.

Uma pessoa de 50 anos, por exemplo, possivelmente tem mais ferramentas para analisar um livro do que eu, que tenho 26. Ela provavelmente já leu muito mais do que eu e pode comparar uma obra com muitas outras mais. Mas nem por isso minha opinião sobre o livro pode ser considerada errada. Posso não ter um olhar tão profundo, mas tenho o direito de ter o meu olhar, de acordo com aquilo que já vi e vivi.

Penso mais ou menos assim sobre julgar a obra de alguém, seja um livro, uma música, um filme ou uma peça. Antes de dizer simplesmente se aquilo é bom ou ruim, é preciso saber qual é a proposta do autor. O ponto é: ele é coerente com o que se propõe a fazer? Entender o pensamento do outro e olhar para outras coisas que ele fez é importante para não ter um julgamento preconceituoso. Da mesma forma funciona o entendimento da opinião de alguém. Por que ele achou aquilo bom ou ruim? Em que ele se baseou? Quais são os conceitos que ele usou para formular sua opinião?

Às vezes, isso pode valer até pra gente mesmo. Vale a pena pensar porque eu cheguei àquela conclusão sobre alguma coisa - nem sempre a gente faz isso, né? - em vez de simplesmente fazer um julgamento simplista. Desde que você consiga achar essas respostas para si mesmo, pode dar sua opinião sobre qualquer coisa para quem quiser. Desde que saiba defendê-la.