terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

10 x 3

Uma coisa que eu nunca vou poder dizer é que 'eu era feliz e não sabia'. Sempre tive consciência dos momentos mais felizes da minha vida. E sempre os aproveitei ao máximo, porque sabia que eram únicos e nunca mais se repetiriam.
Uma vez, disse pro Leandro, tomando cerveja num bar depois do trabalho, enquanto a gente ouvia uma música francesa, que tinha reconhecido aquele momento como um daqueles únicos e inesquecíveis. E que quando estivesse na França, iria lembrar daquela música e daquela cena.
Também já previ cenas futuras, em que iria me deparar com momentos felizes do passado e isso serviria par valorizá-los ainda mais. Um desses momentos vai ser quando eu estiver no shopping Villa-Lobos daqui há algum tempo e reencontrar um ex-namorado com a esposa, empurrando um carrinho de bebê. Eu serei uma mulher bem sucedida, que estará ali fazendo compras entre uma viagem e outra. Isso, eu já sabia que aconteceria há mais ou menos uns cinco anos. Desde essa época imaginava essa cena. E sei que está cada próxima de acontecer. E nessa hora a gente vai se olhar meio sem graça e se cumprimentar e perguntar um ao outro como estão as coisas. Aquelas formalidades de sempre. Mas o estranho é que até esse momento, tudo o que já aconteceu entre a gente estava no passado, mas no minuto em que a gente se olha, um filme inteiro, com todas as promessas de vida e futuro que existiam - desejadas ou não - passa pelos nossos pensamentos. E tudo o que foi feliz, e toda a tristeza e decepção e acontecimentos que só não se concretizaram por culpa do destino, acontecerão e acabarão em um piscar de olhos. E tudo o que ficará será um sorriso amarelo e educado. E o ciúmes e insegurança no olhar da outra.
Essa é apenas uma cena futura, mas aqui estou falando do passado. Daquelas cenas que não precisam ser registradas pela foto do celular para ficarem pra sempre na memória.
O beijo na mão, o perfume, um olhar fingindo que não olhou, uma mentira de verdade, o gosto da cerveja misturado com cigarro e com chiclete, a espera no ponto de ônibus com o vestido florido e o tênis de lona, a música no fone de ouvido durante o caminho de casa no ônibus, a reunião comendo pizza que muda uma vida inteira.
Os cafés intermináveis buscando desculpas pra prolongar a conversa, as tardes na piscina sem compromisso, as saídas solitárias na madrugada em busca da vida, as conversa, a cerveja entre livros no copo americano, as conversas, as caminhadas, a música nos degraus da praça, as conversas, a aurora boreal, as conversas, a feijoada com o dia clareando, as conversas, um carro com rodas pro ar.
As coisas que fazem a gente ser o que a gente é quando chega nessa idade. Que nem é tanta, mas parece muita porque muita coisa aconteceu. E a gente já mudou tanto pra chegar até aqui. E a gente uma vez já conseguiu ser o que queria ser. Mas a vida, de tempos em tempos, coloca uma bifurcação na frente da gente. E mesmo que os tijolos da estrada sejam os que estamos levando nas nossas costas e estejam sendo colocados pelas nossas mãos pra construir a trilha que leva pra onde a gente acha que tem que ir, esses momentos de escolher uma direção ou outra acabam aparecendo. E aé preciso fazer uma uma escolha.
E a gente nunca vai saber como teria sido ir pro outro lado.