segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

É só isso que eu tenho feito mesmo, e daí?

Pó de Parede, Carol Bensimon

"O que havia de chocante nisso não era particularmente a traição em si, embora isso me torturasse também muito, sobretudo à noite, mas o fato de um escritor ser trocado por um médico. Ah, os médicos. Se soubessem como eu odeio os médicos e a utilidade de seu conhecimento, ao mesmo tempo em que desprezam essas coisas menores e sem sentido como um Modigliani ou Por Quem os Sinos Dobram ou Kind of Blue. Um cruzeiro e muitas praias portanto, que é, como todos sabem, o paraíso da estupidez no espaço entediante de areia e mar. E na montanha? Aqui na montanha vêm os egocêntricos olhar o mundo de cima.

Ironicamente, era um sujeito que tinha publicado três livros pela minha editora. E eles venderam mais que os meus, porque qualquer coisa que venha com regras de funcionamento para a felicidade vende como água hoje em dia. São livros de bolso que dizem o que fazer para que as pessoas vivam mais, mesmo que se quixem o tempo todo enquanto estão vivas."

Corpo Presente, João Paulo Cuenca

"Gostaria de escrever algo como 'as grandes cabeças da minha geração', mas essa é toda uma linhagem de chatos queixosos. Encaro seus olhos e só vejo o reflexo do vazio em cada um de nós, entre óculos de aro grosso, orelhas amassadas, sob cabelos pintados de loiro, em diários na rede, programas de auditório e sessões sofisticadas de cinema, é tudo a mesma grande coisa, só a repetição de padrões regurgitados e atitudes velhacas, como se nada mais houvesse ou fosse possível fora dessa nostalgia vazia.

Mas quando deito na cama, me escondo nas cobertas e choro, quem olha por mim? Quem olha por um homem que chora por excesso de opção? Quem desata o nó dentro de quem quer demais? Quem perdoa esse que confunde tudo, frustra planos, mata o que não chega a nascer? Quem alivia quem não merece? Ninguém vai rezar esse terço. Invejo a dignidade de quem chora por tristeza.

A pior coisa que pode acontecer com qualquer estética é ser adotada pela classe média. Mas não é isso que a gente acaba querendo mesmo?
O ápice é antes, logo antes dessa adoção em massa. É ali que eu quero estar. O povão tira o molho de qualquer coisa, meu caro. Note bem que é antes, não nunca.

Ah, acho que a gente só sente vergonha do que não entende. Se você apenas vive e experimenta a vida por aquilo que ela é, não sente vergonha. Não sente. O probleme é que, às vezes, sentir vergonha faz parte do tesão.

Você percebe que a única categoria de infidelidade realmente existente é a autocometida? No limite, eu só devo fidelidade a uma pessoa. Eu preciso ser sincero comigo mesmo - não posso continuar escondendo coisas de mim. Eu não quero continuar mudando de assunto e driblando pensamentos, ninguém precisa disso. Eu não posso continuar me sabotando. E não há quem me obrigue a não ser sincero. Não pode haver.

Toda vez que Alberto senta para escrever, não consegue desenvolver nenhuma idéia, acha tudo coisa passada, já escrita, sente-se como uma criança montando um quebra-cabeça montado e desmontado milhares de vezes. Açberto imagina todos os outros que já estiveram debruçados em sacadas, olhando para o céu, fumando, tomando decisões idiotas, sem perspectiva. Alberto é ingênuo o suficiente para pretender ser original e acreditar nisso. Escreve por orgulho. Além de talento, falta-lhe vergonha na cara - como tem pânico de morrer, acha que o que escreve pode sobreviver a si mesmo."

Um comentário:

Anônimo disse...

essa parte dos cuzeiros serem paraísos da estupidez é incrível! ela lá no sul e eu aqui querendo dizer a mesma coisa!
uma passagem que amo do segundo conto é quando a protagonista mergulha no lago e pensa em um garoto. Como se fosse um segredo. Como se ela precisasse de solidão para pensar, estar com ele. Amo.
Beijos