domingo, 18 de janeiro de 2009

Degustar

Às vezes, quando eu falo que não acredito na felicidade, as pessoas olham com uma cara feia e dizem que eu estou mal, devo ser depressiva e coisas do tipo. Agora eu descobri que elas têm razão. O erro é meu mesmo, ao me expressar. O que eu quero dizer é que não acredito na felicidade como plenitude, que é o que a maioria das pessoas busca. Acho que o ser humano não foi feito para alcançar em vida o estado de total paz de espírito. E é justamente essa inquietação que nunca passa e sempre se renova que move o mundo. Só que, como a plenitude nunca chega e algo sempre incomoda, as pessoas acham que não são felizes.
Pra mim, a idéia de felicidade é diferente. Acho que funciona mais ou menos como quando a gente se alimenta. Existem duas formas de se alimentar: comer e degustar. Comer é o que a gente faz por obrigação, por sobrevivência, por necessidade biológica. É o que as pessoas geralmente fazem no curto intervalo de almoço do trabalho. Uma coisa burocrática. Você pega a comida, senta, engole enquanto pensa no que ainda tem que fazer ou no que aconteceu de manhã. Degustar é diferente, porque alia a necessidade ao prazer e, por isso, não alimenta só o corpo, mas também a alma. Apreciar o sabor de um alimento exige concentração e sensibilidade, e deixa a gente mais feliz. O problema é que a gente deixa pra fazer isso só em datas especiais.
Na vida também é assim. Com a rotina, a gente liga o piloto automático e começa a fazer tudo burocraticamente, como no almoço durante o trabalho, quando no final do dia você nem lembra mais o que comeu. Em vez de saborear, simplesmente engole. Pra mim, degustar a vida é o que faz a gente ser realmente feliz. É viver cada momento com concentração para tentar perceber ao máximo o sabor que ele tem.
Por isso, me considero uma pessoa, se não completamente, muito feliz. E eu percebo isso em momentos como quando ando de carro a noite com uma amiga e toca uma música do Pearl Jam e a gente canta e as janelas estão abertas e o vento faz nosso cabelo voar. Ou quando estou em uma mesa de restaurante com outra amiga que não via há mais de um ano cercada de várias pessoas que conversam, dão risada, contam histórias, fazem planos e se divertem, e eu fico quieta por um minuto observando tudo aquilo. Ou quando eu escolho a poltrona do cinema e espero, no escuro, o filme começar. Ou quando coloco uma música e deito no sofá pra ouvir. Ou simplesmente quando caminho sozinha na rua.
É que nessas horas eu tenho mania de sair do meu corpo e olhar as coisas de fora. A sensação deve ser parecida com encontrar o Aleph. Como se eu pudesse ver ao mesmo tempo tudo o que já se passou para eu estar ali naquela hora, e pensar que eu nunca poderia imaginar onde estaria, e ficar surpresa, e ver que a vida ainda me reserva muitas outras surpresas. Essa é a sensação boa que me faz estar sempre sorrindo, mesmo sem motivo aparente.

5 comentários:

Joao Gabriel disse...

Simplesmente perfeito. Gostaria de ter escrito isso, de tanto que eu concordo.

Pollyana Barbarella disse...

É uma honra pra mim ver você falar isso, que queria ter escrito uma coisa que eu escrevi. Você nem imagina quanto.
Beijos e obrigada

Anônimo disse...

Mais que querer escrever tudo isso, lhe digo que isso sou eu:

"...e ver que a vida ainda me reserva muitas outras surpresas. Essa é a sensação boa que me faz estar sempre sorrindo, mesmo sem motivo aparente."

te adoro - obrigado,

beijos!!!

Pollyana Barbarella disse...

Eu é que tenho que agradecer por ter pessoas como você perto de mim!
Beijos!

Anônimo disse...

Parabéns! Felicidade se for encarada como viver no "paraíso", realmente não existe. E ainda bem que não existe dessa forma, pq senão a vida não teria a menor graça e acabaríamos inértes, acomodados.
Felicidade é o prazer que sentimos a cada meta alcançada, a cada desafio vencido, a cada obstáculo transposto, a cada sonho realizado.