domingo, 17 de maio de 2009

Um trechinho...

Ainda tô no começo, mas aí vai:

"Até então, eu não era propriamente infeliz. Mas tampouco era feliz. Tinha saúde, tinha momentos de alegria, mas passava a maior parte do tempo triste. Tolice, mentira, injustiça, sofrimento: fazia-se em torno de mim um caos muito escuro. E que absurdo eram os dias, a se repetirem de semana em semana, de século em século, sem levarem a parte alguma! Viver era aguardar a morte durante quarenta ou sessenta anos, patinando no nada. Por isso é que eu estudava com tanta dedicação! Só os livros e as idéias resistiam a tudo, só eles me pareciam reais.
Graças a Robert, as ideias baixaram à terra e a terra tornou-se coerente como um livro, um livro que começa mal, mas que acabará bem. A humanidade tinha uma direção; a história, um sentido. E minha própria existência também. A opressão, a miséria encerravam a promessa de seu desaparecimento. O mal já estava vencido; o escândalo, dispersado. O céu fechou-se sobre minha cabeça e os velhos temores me abandonaram. Não foi a poder de teorias que Robert me libertou deles; demonstrou-me que a vida se basta a si mesma, só com o ser vivida. À morte ele não dava nehuma importância, e suas atividades não eram entretenimentos: ele gostava do que gostava, queria o que queria, de nada fugia."

Os mandarins, Simone de Beauvoir