sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ciúmes

Um ponto vermelho na pia da cozinha. E outro, e outro, e outro depois, como que marcando o piso com a trilha de volta pra casa. Seguiam para a sala e estampavam o tapete branco, como as últimas confetes esquecidas no chão depois de uma noite de carnaval. E se misturavam com o quebra-cabeças de imagens picadas das fotos que contavam a história de um amor agridoce. As indefectíveis almofadas de veludo ganhavam uma certa alegria melancólica com as gotas cor de carmim. 


E eles continuavam pela escada, tingindo a madeira macia. Iam pelo corredor e se transformavam em manchas nos lençóis brancos adornados com bordado inglês. Os travesseiros de plumas tinham as fronhas encarnadas e úmidas. 


Ainda brincando serelepes pelo carpete, os pontinhos faziam sua trilha até o banheiro. No espelho, digitais borradas lembravam as mensagens apaixonadas antes deixadas com batom. 


Da banheira vitoriana, transbordava uma água tingida com a cor do amor visceral, contrastando com o alabastro da pele que agora não sentiria mais a ânsia desesperada do toque. Os cabelos negros e lisos muito bem cuidados com shampoos caros e cafunés formavam ondas na água. As mãos pequenas, com as unhas sempre impecáveis como se todos os dias fossem de casamento, estavam agora imunes ao desejo de poder segurá-lo e tocá-lo com exclusividade a cada minuto do dia. E o olhar verde e vago, acostumado a inundar-se com lágrimas desconfiadas de insegurança, mostrava agora uma tranquilidade indiferente, quase blasé. 


O celular no chão mostrava 47 chamadas exaustas e sem resposta para o mesmo número, que receberia mais tarde a mensagem: Te amo mais do que a mim mesma e isso é mais do que eu posso suportar.

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