segunda-feira, 6 de julho de 2009

O Convidado Surpresa

"...afinal ela ainda estava desolada e queria que eu a perdoasse e era necessário qu eu compreendesse, era importante para ela e eu compreendia, sempre compreendi tudo, e perdoava, pois nos meus sonhos eu era nobre e magnânimo e não havia muito a dizer nem a fazer."

"Havia muito tempo, porém, eu acreditava ter me recuperado, e quando comprava pão numa padaria não pensava mais sistematicamente nela e muitas outras razões também me faziam crer que eu havia superado, e dado a volta por cima, como se diz, e mesmo voltado à tona como todos quase sempre conseguem, ainda que ao preço de uma irremediável modificação do seu ser e de uma desastrosa trasnformação de si perceptível no canto da boca, nos ombros ou nos cabelos, com mais força no fundo dos olhos, no andar ouno jeito de rir e falar e se comportar em geral e basta olhar ao redor para perceber."

"...e certamente há coisas milagrosas entre os seres que se amaram e eu exultava por dentro, tudo estremecia em mim, e o telefonema dela que me parecera a última das monstruosidades de repente ganhava sentido, o primeiro e o mais assombroso que existe, e há sempre um ponto por onde a realidade nos salva dela própria."

"E então compreendi por que sempre se embrulham os presentes em nossa sociedade: não para produzir o efeito surpresa mas para dissimular que se trata de uma mentira, e essa certeza inevitavelmente nos atravessa o espírito quando recebemos um presente, sim, o abrimos e numa fração de segundos pressentimos a fraude e somos tomados pelo desgosto e a tristeza e procuramos logo sorrir e agradecer para enterrar no mais fundo do nosso ser o dissabor de nunca nos oferecerem nada de inesperado na vida e essa alegria sempre frustrada continua sendo para nós mesmos incompreensível."

"Não compreendi muito bem como a conversa foi parar na descrição do aparelho de discriminação de Lashley, e eu não sabia do que se tratava e ela explicou que pegavam ratos e os condicionavam para se alimentarem numa tina verde ao passo que recebiam um choque elétrico se comessem numa tina vermelha, e os ratos ficavam neuróticos e até aí tudo bem e eu estava de acordo; mas depois tiravam a tina verde e os ratos ficavam apenas com a tina vermelha para se alimentar sabendo que ao se aproximar dela levariam um choque e imagine o conflito, ela me disse com os olhos brilhantes; eu podia imaginar muito bem e os ratos finalmente enlouqueciam: punham-se a girar no próprio eixo durante horas ou tornavam-se violentos e agressivos sem razão aparente ou se batiam contra o vidro até se machucar e ao cabo de alguns dias a maioria acabava não se mexendo mais e permanecia imóvel e prostrada e obnubilada e era possível então fazê-los adotar qualquer pose, mesmo as mais extravagantes e as mais desconfortáveis, sem que esboçassem a menor reação, e esvaziei num trago o resto daminha taça de champagne e disse a ela que na minha opinião já fazia tempo que haviam tirado a tina verde de muitos de nós e talvez até de todos, bastava olhar ao redor as poses inverossímeis e obnubiladas em toda parte e o tempo todo..."

"...e nem uma única vez ela veio na minha direção com a intenção de evocar o passado e muito menos de me pedir perdão quando para mim isso teria bastado, sim, perdão simplesmente, mesmo sem evocar o passado eu teria compreendido, só perdão, tomando talvez minha mão por um breve instante e apertando-a, sim, eu teria me contentado com um simples aperto dos seus dedos e não pedia mais; mas não, a atitude dela permaneceu a mesma e não passava pela nossa história e talvez ela não tivesse encontrado coragem ou o momento ou a vontade ou sei lá o que e isso agora não tinha mais nenhuma importância, era tarde demais e a festa estava no fim."

Gregòire Bouillier

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