quinta-feira, 22 de maio de 2008

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Não sei se Deus existe, nunca o vi. Em vez de crer em um ser superior, que olha pra tudo o que as pessoas fazem e no fim da vida determina quanto e como cada um vai ter que pagar pelos seus atos, prefiro acreditar que somos responsáveis por tudo o que fazemos e pelas consequências também. Consequências que vêm agora, hoje, ou amanhã, mas voltam pra gente ainda nesta vida e não depois da morte. Pra mim, não existe céu, não existe inferno e os frutos de nossas escolhas serão colhidos aqui e agora.


Mais importante do que temer a eternidade queimando no inferno, ou uma próxima vida cheia de sofrimento, é conseguir conviver com a própria consciência. Nosso julgamento não vai ser feito em um tribunal da alma, mas sim a cada momento dentro de nós mesmos. Todas as nossas ações, secretas ou reveladas, vão nos acompanhar por todos os dias da nossa vida e o maior juiz, o maior carrasco, é a própria consciência. E conviver com o veredicto negativo de nós mesmos é a pior punição que se pode ter. O peso da culpa é o maior que se pode carregar e, às vezes se torna insuportável. Então a questão é: quanto peso você aguenta carregar?

Isso é mostrado no filme "O Sonho de Cassandra", de Woody Allen, que assisti há algum tempo. Dois irmãos reagem de forma diferente às consequências de um mesmo ato. Para um aquilo se torna insuportável, já o outro continua levando uma vida normal como se nada tivesse acontecido. Na peça "Senhora dos afogados", de Nelson Rodrigues que está em cartaz no Sesc Anchieta, com direção de Antunes Filho, a mesma coisa acontece com membros de uma família. Moema, a filha, apesar de admitir que os crimes que cometeu a atormentam todos os dias e corroem sua alma, age de forma natural, pois a satisfação de ter atingido seus objetivos é maior do que a culpa. Jå seu pai não consegue aceitar seus próprios atos sozinho e busca no outro - alguém que possa ser considerado tão culpado quanto ele - para tentar se redimir. Um sente culpa,outro não.


A medida entre o valor que se dá para o que se quer e o esforço que terá que ser feito para conseguir deve ser decisiva na hora de se fazer uma escolha. E isso é algo muito particular a cada indivíduo, provém dos valores, da visão de mundo, dos anseios, das crenças, do modo de vida e da vivência de cada um. Por isso, ninguém pode se sentir digno de julgar os atos de outra pessoa. Como você pode saber qual seria a sua atitude ou a sua reação se estivesse naquela hora e naquele lugar? Como pode saber que não faria algo igual ou pior? E pior ou melhor pra quem? As pessoas são imprevisíveis e ninguém consegue conhecer nem mesmo a si tão profundamente para saber o que pode ser capaz de fazer em todas as situações.


O ser humano age por instinto, instinto de sobrevivência, que é o fator elementar e determinante de todos os sentimentos, sensações e desejos do homem. Afinal, somos animais. A sociedade criou regras que contrariam os instintos e desejos humanos e, a partir delas, julga seus membros. Se levarmos em consideração que Deus é o responsável pela criação de tudo, é como se ele estivesse procurando algo para se entreter. Dá ao homem impulsos e livre arbítrio para segui-los ou reprimi-los, mas diz que eles são errados, feios e sujos e que podem levar a uma punição. E nós ficamos aqui, nos equilibrando entre o certo, o errado, o aceitável e o inadimissível. Muito divertido pra quem está de fora, né? Mas será que é possível se libertar disso?

2 comentários:

MUNDO ELE disse...

"Hay demasiada carne, demasiadas vísceras, demasiada sangre: el cuerpo entero es demasiado para la conciencia que ha perdido el control."
Michaux

A grande conclusão é não julgar ninguém por seus atos, sim, somos carne e corpo. Minha irmã diz que sempre há alguem que vai julgar num.

Bárbara disse...

O meu inferno particular certamente queima mais que o inferno do Tinhoso. A minha culpa particular pesa mais que a cruz de Cristo.

Sigo o princípio básico da harmonia: ajo conforme eu sinto, sinto conforme eu falo e falo conforme eu penso.

Crime e Castigo, do Dostoievsky, é a prova literária. Não assuma um peso maior do que a sua consciencia pode carregar.