segunda-feira, 14 de julho de 2008

Minha matéria prima é a minha vida...


"O primeiro personagem que um escritor cria é ele mesmo. Só os imbecis procuram um eu atrás do texto literário. Em literatura, a própria "sinceridade" é apenas uma jogada de estilo. Um escritor medíocre não consegue ser "sincero". Técnica, coração. Para ser sincero, é preciso dispor das técnicas que indiquem, signem, sinceridade. Sem isso, a mais pura das explosões verbais, a mais direta, a mais espontânea, será apenas mais uma manifestação de imperícia literária. Um amontoado de bobagens que o tempo vai se encarregar de destinar ao lixo, onde jazem as ilusões." (Leminski)

Quando jovem, abandonou a faculdade e decidiu que queria viver de escrever e viver para escrever. Começou a produzir textos semi auto-biográficos, com histórias de uma personagem que era seu alter-ego. Nelas, retratava acontecimentos cotidianos de uma vida intensa e sem compromisso e onde a realidade se confundia com a ficção, tornando impossível distinguir o que realmente teria acontecido e o que era fruto de sua criatividade. Na verdade, o único compromisso que tinha era com a escrita e com as palavras. E era mais que um compromisso formal, era uma paixão. Algo mais forte do que tudo, que se tornou o ponto central de sua existência, sua busca e seu apoio. Por meio das palavras, pôde expressar de forma intensa e sem medida sentimentos como a dor, o amor, a solidão, a saudade e a vontade de ser livre. Publicou alguns contos em uma revista, uma coletânea de contos e algumas novelas com sua personagem, que acabou indo parar nas telas do cinema.


Se considerarmos que a pessoa descrita acima é um homem e nasceu nos EUA em 1909, estaremos falando de John Fante e seu personagem será Arturo Bandini. Se pensarmos que é uma jovem brasileira de Porto Alegre, então a descrição será de Clarah Averbuck, que criou Camila Chivrino. O que separa os dois, além dos anos, é a tecnologia. Enquanto Fante escrevia contos e enviava para revistas, que nem sempre publicavam, Clarah escreve posts e publica em seus blogs. Muito mais prático e independente, uma vantagem que ela leva sobre ele.


A influência e a fascinação da blogueira - que abomina o termo "literatura de blog", criado quando lançou seu primeiro romance - pelo autor não é segredo. Em seu primeiro livro, Máquina de Pinball, ele é citado, assim como Bukowski, outro de seus ídolos, que também levou uma vida parecida. Boêmios assumidos, álcool, noitadas e aventuras sexuais não faltam nas obras do trio. A capacidade de transformar isso em literatura também os une. Repulsa, nojo, ódio, amor, paixão e melancolia são temas recorrentes. O fato de viverem tudo isso e relatarem sem pudor, acaba gerando polêmica. É o que acontece agora com Clarah, que ganha os holofotes com a estréia no dia 18 de julho da adaptação de sua obra para o cinema, o filme Nome Proprio, dirigido por Murilo Salles, que traz Leandra Leal no papel da personagem Camila. 


A partir dos livros Máquina de Pinball e Vida de Gato e dos blogs de Clarah, Salles construiu a personagem e desenhou uma história para ela. Uma blogueira de Brasilia que vem para São Paulo após terminar com o namorado e, depois de um período de sofrimento, dor, solidão e isolamento, passa a viver intensamente e inconsequentemente a noite paulistana e seus prazeres. Seu objetivo é escrever um livro e, enquanto isso, conta todas as suas aventuras e dramas em um weblog. Apesar de Camila dizer no filme que seu blog não é um diário e Clarah dizer que nem tudo o que escreve é realidade, ao acompanhar a história da personagem no filme e conhecer um pouco mais sobre a autora, fica difícil concordar. No entanto, o próprio filme tenta reforçar essa idéia, fazendo a personagem criada por Clarah e por Murilo criar, dentro do filme, uma outra história e uma outra personagem que também se confunde com ela própria.


A super exposição sem medo nos blogs, nos livros e no filme, causa estranhamento mesmo em tempos de Big Brother, com a diferença de que por meio de uma personagem assumidamente inventada, Clarah parece mostrar a si mesma completamente, com toda a sua intensidade, personalidade, desejos e dores. Algo criado para ser ficção que parece mais autêntico do que o que se diz realidade hoje.  E talvez por isso cause polêmica. O que importa é que Clarah, e a Camila Lopes do filme, são coerentes com o que se propõem a fazer. Uma obra e uma vida descompromissada com o pensamento e o julgamento alheios e fiel às suas próprias regras e vontades, muitas delas pautadas, ou reforçadas, por Fante e Bukowski.


O filme


Com estréia marcada para a próxima sexta-feira, 18 de julho, o filme abusa de cenas de nudez, sexo e palavrões para retratar a vida intensa de Camila. Levando em conta o contexto, não fica exagerado e é aceitável.

 

Os personagens coadjuvantes não tem a personalidade aprofundada, chegam a ser estereotipados, e isso talvez incomode um pouco (o amigo que vive um amor platônico, o nerd, o cara do interior, a amiga traída, o cara cachorro que se faz de bonzinho). Mas o objetivo da história é mesmo girar em torno de Camila e mostrar seus conflitos internos, sem muita interação com o mundo. Ela não liga para o que os outros pensam, por isso parece ser uma pessoa solitária e isolada. É obcecada por seus pensamentos e por suas palavras, não tem tempo nem vontade de olhar para o outro e tentar enxergar toda a complexidade que pode existir fora de si mesma. O negócio de Camila é aproveitar o aqui e o agora, já que não encontra ninguém com quem ache que valha a pena construir algo mais profundo. Talvez por isso, as pessoas com quem se relaciona no filme sejam mostradas sem nenhuma profundidade, que é como ela as vê, já que está tão preocupada com ela mesma que nunca dá ao outro chance de um segundo olhar. 


Vale a pena assistir, primeiro por ter vindo da obra da polêmica Clarah Averbuck. Leandra Leal realmente incorporou a personagem e está ótima. A intensidade beat com que a autora escreve está presente na Camila do filme, que, no entanto perdeu um pouco do sarcasmo e da ironia da personagem dos livros e ganhou um pouco mais de sofrimento e dor. A impressão que dá é que seu maior divertimento é se vingar do mundo que a faz sofrer.


No mais, muita gente deve se identificar com as situações vividas. Quem nunca se apaixonou e fez uma cagada? Quem nunca acreditou ter encontrado o amor verdadeiro e levou um balde de água fria? Além disso, a paisagem urbana, de bares e casas noturnas, com sua fauna tipica, deve fazer boa parte do público mais jovem se sentir em casa.


Acesse o blog do filme, o blog da Clarah Averbuck e leia na edição de julho da Bravo! a matéria da autora sobre ser blogueira, escritora e sobre o filme.


Nome Próprio

Data: sexta-feira, 18 de julho

Locais: Espaço Unibanco Augusta e Unibanco Artplex Frei Caneca


Direção: Murilo Salles

Elenco: Leandra Leal, Rosanne Mulholland, Milhem Cortaz, Juliano Cazarré

Duração130 minutos

Um comentário:

Anônimo disse...

Vi, também escrevi sobre Nome Próprio. Vc viu?

http://cubomagicoblog.wordpress.com/2008/07/14/link-147/

Bjo.