segunda-feira, 14 de julho de 2008

Rapadura é doce, mas não é mole não


Há alguns dias fui à estreia do espetáculo Entulho, com direção de Ruy Filho, em cartaz no novo e simpático Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena. O texto de Priscila Nicolielo me tocou pela poesia com que mostra como o mundo de aparências e estímulo ao consumo exacerbado faz com que o indivíduo perca sua identidade. Me lembrou a fala de um dos personagens do filme Beleza Americana: "Para ter sucesso, é preciso projetar uma imagem de sucesso". Em meio a centenas de peças de roupas, sacolas de compras, livros, jornais e fotografias, Guilherme Gorski interpreta um personagem angustiado, que consome compulsivamente, principalmente coisas de marcas famosas. A narração em off, nas vozes de Débora Falabella, Alberto Guzik e Pancho Capeletti, estimula a reflexão sobre como perdemos a inocência da infância, abandonamos uma vida simples e passamos a seguir os padrões impostos pela sociedade. Muito bonito e poético mesmo. Tudo tem um preço. Quer ser aceito no mundo? Venda sua alma para Armani, Chanel e companhia.


O outro lado dessa história encontrei no livro Atire no Dramaturgo, uma coletânea de posts do blog de mesmo nome do ator, dramaturgo, escritor, diretor, interprete, produtor, compositor, bluesman (...) Mário Bortolotto. Sem fazer concessões, o autor, que não dá a mínima para manter uma imagem de acordo com os padrões, diz ter orgulho de só ter feito o que gosta até hoje, dando mais importância para o prazer que um trabalho vai lhe dar do que para o dinheiro que vai ganhar em troca. É, mas tudo tem seu preço. Para ele, é ter que olhar um disco de jazz, ou um livro que quer ler, na vitrine de uma loja e não poder comprar. Ou ir para Paris e não poder entrar em um bar onde rola um som legal, porque a cerveja custa 2 euros. Ou ter no cardápio diário apenas as opções de churrasco grego, cachorro quente ou miojo. Segundo ele, a recompensa é poder olhar para trás e se orgulhar de tudo o que já fez até hoje e não ter nada para se envergonhar. Uma conversa honesta com amigos num boteco tomando vinho barato vale mais do que uma noite de glamour no Spot, tendo que falar o que as pessoas esperam ouvir. Viajar para o Rio de Janeiro por quatro finais de semana seguidos para levar ao palco uma história coerente com o que realmente acredita em troca de apenas trinta reais, vale mais do que conseguir uma bolada de patrocínio para encenar um besteirol comercial. 


O negócio é: qual é o preço mais alto e o que tem mais valor? O que proporciona maior felicidade? Aí voltamos na discussão de alguns posts anteriores. Qual é o peso da carga que você aguenta carregar?


Acesse: 

Atire no Dramaturgo


Leia: 

Atire no Dramaturgo (Coletânea de textos extraídos do blog homônimo) 

Atrito Art Editorial (comprado no sebo da Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, por R$ 27,00, mas pode procurar no Sebo do Bac)


Assista:

Entulho

Local: Centro Cultural Rio Verde

Rua Belmiro Braga, 119

Vila Madalena - Zona Oeste - (11) 3459-5321

Preço: R$ 20,00

Quinta-feira às 21h, até 25 de setembro


Direção: Ruy Filho

Dramaturgia: Priscila Nicolielo

Elenco: Guilherme Gorski

Textos Gravados Em Off: Débora Falabella, Alberto Guzik e Pancho Capeletti

Preparação de Ator: Gustavo Palma

5 comentários:

Gustavo Sol disse...

Pois é coerência e sobrevivência... Assunto que parece que nunca sai de moda, de pauta, da vitrine... E então vamos nós, nesse equilíbrio precário que cada um procura ter no mais de seus dias... Apesar da ruina das grandes ideologias, alguns acreditam que delas só restou o capital... Será? Polêmicas à parte acredito nos embaços das fronteiras... ...nas reticências... Essa é a minha corência!

Anônimo disse...

Pois eu sou o primeiro escrito e descrito...

Joao Gabriel disse...

Gostei desse post. Não tenho nenhuma dúvida quanto à escolha. Fazer o que nos apaixona, sempre. A vida é curta para aturar coisa chata. Mas é importante ter a habilidade de saber ganhar com isso. Entre o vinho barato e o Spot, prefiro mil vezes o vinho barato -- o Spot é um lugar mala. O bom mesmo no entanto é tomar vinho sob o luar, numa praça -- mas um vinho melhorzinho.

Pollyana Barbarella disse...

Hahaha...
É, pode ser. Porque o preço que a ressaca do vinho barato cobra no outro dia vai ser bem caro.
Bjs

Joao Gabriel disse...

É isso. Pelo menos que o vinho seja bom -- sempre!