terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A persistência da memória (primeiro da série coisas que me tiram o sono)

Ouvi uma vez o Gilberto Gil dizer em uma entrevista pra Marilia Gabriela que ele não tinha medo da morte, tinha medo de morrer. Quer dizer, o temor dele não é deixar de existir, mas sim o processo pelo qual vai passar para deixar a vida e ganhar a eternidade. Nunca ouvi o testemunho confiável de ninguém que tenha passado pela experiência e voltado para contar como foi, mas imagino que, na maioria das vezes, seja algo doloroso e, por isso, ele tem mesmo razão em temer. Além disso, ele, que é uma personalidade, um artista reconhecido com uma vasta obra, que já deixou sua assinatura nas páginas da história, certamente quando sair da vida ganhará a eternidade, portanto não precisa mesmo se preocupar com o depois, só com o durante.
Esse medo, do que vai acontecer depois, é típico do ser humano. E não estou falando do que acontece com a gente, com a nossa alma, espírito, seja lá o que for, se é que isso existe mesmo. Se a gente vai pro céu, pro inferno, ou volta pra Terra mais evoluído, não me importa. Na hora certa todo mundo vai saber como é. A maior aflição é com o que acontece a quem fica. É como estar no meio de uma festa e ter que ir embora porque tem que acordar cedo no outro dia, mas muita coisa ainda vai acontecer e você não vai estar lá pra ver - o bom é que pelo menos não precisa ouvir no dia seguinte os comentários sobre tudo o que perdeu. E, ainda pior, saber que tudo vai continuar acontecendo independente de você estar lá ou não. É notar como somos insignificantes e saber que em poucos meses não passaremos de uma vaga lembrança esporádica mesmo para os entes mais queridos.
Claro que isso não acontece com gente como Gilberto Gil. A parte de perder a continuidade da festa sim, mas ele sabe que ainda que não esteja mais por lá fisicamente, continuará presente como assunto nas principais rodas de conversa. Isso, porque no tempo em que ficaram, mesmo que tenha sido breve, pessoas como ele conseguem deixar sua marca, seja por meio das idéias que trocaram batendo-papo, seja porque beberam de mais e deram um show.
E é por querer compensar a ausência inevitável que um dia vai chegar, que todo mundo sente necessidade de deixar um pedacinho de si por aqui. Talvez daí venha a idéia de que toda pessoa tem que plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. São três maneiras de dizer: eu já fui embora, mas estive aqui, espero que vocês não se esqueçam de mim. Acho que a mais eficiente é o livro (que pode não ser necessariamente um livro, mas qualquer forma de registro de pensamento). Justamente porque carrega uma marca pessoal mais forte e tem a chance de sobreviver por mais tempo.

Eu, por exemplo, sei que existiu um Aristóteles, um Camões, um Beethoven, e até hoje tenho acesso ao que eles pensaram e produziram. Em compensação, não tenho idéia de como era meu bisavô, como ele vivia, no que acreditava, com o que se preocupava. Quer dizer, melhor faz quem se dedica às idéias do que quem se dedica a uma criança. Claro que as pessoas tem que ter filhos também. Se todo mundo resolvesse parar de ter filhos e começasse só a filosofar, a estudar, a pesquisar, a refletir, eu nem estaria aqui escrevendo essas besteiras. Da mesma forma, eu não estaria aqui escrevendo essas besteiras se ninguém tivesse me mostrado que tem gente que se dedica ao estudo, ao pensamento e a reflexão, quer dizer, eu não teria sobre quem nem sobre o que escrever. Há algum tempo (bastante tempo até), assisti a uma peça chamada Solidores, do André Fusko, que era um diálogo entre um casal. No meio de várias outras discussões, o cara dizia que ninguém sabia se Einstein tinha um filho e ninguém nem se importava com isso, mas todo mundo sabia que ele foi o criador da teoria da relatividade.
Volto a dizer, não sou contra ter filhos, eu digo que não quero agora, mas pode ser que um dia, quando estiver muito feliz, eu queira (no filme Romance, a personagem da Letícia Sabatela diz pro Wagner Moura que quando está muito feliz tem vontade de ter um filho). Mas isso só quando eu encontrar um homem que eu ache que mereça deixar seus genes no mundo (hehehe, e será que eu mereço?). Divagações à parte, acho que a melhor forma de sermos lembrados é por nossas idéias.
Retomo, agora, a idéia do Mutarelli, no O Natimorto, de que tem a impressão que deixa de existir para as pessoas quando não está por perto. Acho que isso, em vida ou depois da morte, não acontece com quem consegue se tornar relevante por si próprio, em vez de apoiar sua existência no outro.

E isso tem me feito pensar uma coisa. Eu já conheci centenas de pessoas. De algumas me lembro todos os dias, de outras frequentemente, mas a maioria só volta ao meu pensamento nos natais, em anos bissextos ou nas viradas de século. Mesmo gente com quem eu convivi por um bom tempo e com quem tive momentos especias acabam ficando com uma imagem embaçada, guardada em uma gavetinha lá no fundo da memória. Essas, quase não existem pra mim. Outras, que podem ter passado como um raio, deixaram uma marca muito profunda, difícil de ser apagada (para o bem ou para o mal). Então, fico imaginando como anda a minha força de existência. Será que eu consigo estar presente nos pensamentos de várias pessoas consecutivamente a ponto de sobreviver por 24 horas?
É, acho que pior do que deixar de existir depois da morte é deixar de existir durante a vida.

Obs: Essa é história que eu falei alguns posts atrás sobre deixar de existir quando não está por perto e que seria meio egocêntrico. A pessoa que escreveu essas coisas acima (no caso, eu) deve ter uma grande necessidade de auto-afirmação, ser insegura e precisar muito da aceitação alheia pra se sentir feliz. Deveria voltar pra terapia urgentemente, aprender a ter mais confiança em si mesma e depender menos dos outros!

Obs´:
Post muito bem acompanhado por dois Dalis: A persistência da memória e Galatéia das esferas.

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